Voar é vício que cultivo com pouca água:
minha asa cresce sem eu fazer nada.
A gula de pensar me entontece e abala,
me alimento de idéias e vazo palavras.
Começar sempre e sempre é meu vício,
serviço trágico de Sísifo louco.
Não tenho mais pêlo pra tanto vício,
já virei cordeiro de meu próprio lobo.
Pensar sem ter fim é desatinar,
prender-se em precipício antes mesmo de iniciar.
Quero voar vendo minha sombra no chão,
e não me perder no éter da escuridão.
Pensar com siso é meu intento:
quero começo, meio e fim, sem lamento.
Aparar arestas em fôrma cara
não é podar a asa da ave rara.
[ , 2000]