Vem...
Me toma à beira da noite,
caminha por mim
com seus passos molhados,
despeja seu rio no meu cálice
– pois minha emoção é só água.
Vem...
Que eu lhe dou um trago
deste meu vinho guardado,
destas minhas uvas
frescas de inverno...
Que eu derramo em gotas meu perfume
pelos quatro cantos do seu corpo,
vestindo sua pele com a camurça
da nudez e do silêncio.
Vem...
Deita e me canta,
sente meu desejo
se esgueirando pelos seus dedos,
veleja sem bússola
pelos meus sentidos,
me olha como quem pede lua...
Deixa eu sussurrar minhas folhas,
soprar minhas pétalas
pelo seu peito de relva,
pelo seu solo macio.
Vem... Não volta,
esquece a hora morta
do cotidiano de sempre.
Me toca feito música
e deixa eu cantar meu bolero
pelas suas curvas de carne...
Sinto-me inocência
passeando por suas alturas,
por seus andares cheios
da mais noturna noite densa.
Desvenda essa face molhada
e me mostra a sua vertente original
de emoção-fêmea pura...
Que eu o espero na branca paz
do meu ventre adormecido,
dos meus braços plenos
de fogueiras e cantigas.
Vem...
Que eu desfolho
toda essa sua vontade nua,
que eu desperto
todo esse seu lado cigano...
pois o meu leite é morno
e é rosa franca meu sorriso.
Deixa seu barco
navegar pelo meu leito,
que eu carrego no peito a ânsia
de hastear a bandeira do infinito...
Vem...
Deita... Me namora...
Me afoga no espelho de luz
dessa madrugada afora,
me diz que no nosso tempo
não há tempo nem hora,
que eu não agüento
a flor do sexo que arde
nas entranhas de mim...
Deixa que eu amanheça
na espuma dessa sua onda quente,
deixa sua emoção fluir
da garganta num repente...
Que eu carrego nos olhos de relento
a voz que lhe pede a terra
e que lhe entrega o mar.
[Rosy Feros, 1991]